Página de doutrina Batista Calvinista. Cremos na inspiração divina, na inerrância e infalibilidade das Escrituras Sagradas; e de que Deus se manifestou em plenitude no seu Filho Amado Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, o qual é a Segunda Pessoa da Triunidade Santa

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 32: Ainda sobre a vontade de Deus




Por Jorge Fernandes Isah




UMA OU DUAS VONTADES? 

Muitos afirmam que Deus tem duas vontades. De que ele decretou tudo [a sua vontade decretiva] e de que estabeleceu preceitos, os quais podem ser "resistidos" pelo homem que os desobedece [sua vontade preceptiva]. Em linhas gerais, esse esquema tem por objetivo esclarecer alguns conflitos que a Bíblia nos apresenta entre a vontade soberana e aquela vontade que é "quebrada" pelo homem. Acontece que a vontade divina é inquebrável, irresistível e impossível de não se manifestar. Ninguém resiste a Deus, como o profeta diz: "E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?" [Dn 4.35].

Vejamos mais alguns textos: 

"Mas o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou" [Sl 115.3];
"Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido" [Jó 42.2];
"Que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade" [Is 46.10]; 

"O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará... Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida; quem pois a fará voltar atrás?" [Is 14.24,27] 

O que vocês acham disso? É possível que a vontade de Deus seja resistida ou anulada por suas criaturas? Ou por forças contingentes? 

O fato é que o conselho de Deus, que também é chamado de vontade, é irresistível, eterno e santo. Não pode ser alterado nem adulterado, pois se fosse possível transtorná-lo, acarretaria na desordem, e sabemos que Deus não é Deus do caos. Pois quando vemos o andar da história, o seu desenrolar diante dos nossos olhos, onde o homem cada vez mais se afasta do Criador, desprezando-o e, por sua tolice, reservando para si mesmo a ira vindoura; mesmo entre todas as confusões que a vida nos revela e das quais o homem é o único culpado, ainda assim tudo está conforme Deus estabeleceu eternamente, como parte do seu projeto perfeito e santo. Onde mesmo a imperfeição e todas as deficiências originárias dela; onde o mal e tudo o que ele traz de mais doloroso e injusto; onde a desobediência levará às punições mais severas e duradouras; ainda assim tudo isso faz parte do plano geral arquitetado por Deus e que tem como objetivo a sua glória e revelar-nos a sua sabedoria, graça, misericórdia e santidade. 

Alguns podem dizer que nada daquilo, se partiu da mente de Deus, faz dele sábio ou bondoso. Mas, pergunto: se Deus não é sábio e bom, de onde viria a sabedoria e a bondade? 

O certo é que: 

1) A vontade de Deus é soberana, e nada pode frustrá-la.
2) Tudo o que Deus pensou e quis fazer, assim será.
3) Nem os anjos nem os homens podem frustrar os planos de Deus.
4) Tudo foi decretado e estabelecido por Deus eternamente, de forma que acontecerão infalivelmente.
5) Mesmo a desobediência dos anjos e homens está dentro do decreto e plano divinos.

Dentro de todos os esquemas teológicos existentes, entendo que em Deus há duas vontades: a revelada, a qual é possível ser conhecida por qualquer homem, como possibilidade, e que nos é apresentada em detalhes pela Escritura Sagrada, e a secreta ou oculta, aquela que somente Deus tem conhecimento e da qual todos nós desconhecemos, ignorando-a completamente. É o que nos diz o profeta: "As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei" [Dt 29.29]. 

De forma que não são duas, mas apenas uma vontade, a qual o homem conhece parcialmente, mas Deus a retém integralmente, sem que nada lhe esteja encoberto. Na verdade há uma vontade apenas, de forma que a vontade revelada está subordinada, sujeita à vontade oculta, que é todo o conselho divino. 

O problema é que ficamos conjecturando algumas vezes a partir da Escritura, outras vezes por fontes não confiáveis, qual seria o teor da vontade secreta de Deus. E esse é um esforço inútil e tolo, revelando o nível de imperfeição e limitação humana ao elaborar, e muitas vezes se satisfazer com o esquema proposto, algo que escapa completamente a sua capacidade. Por isso, desde sempre, satanás tem incitado o homem ao ocultismo, a buscar meios sobrenaturais de desvendar qual seja essa vontade. Porém sabemos que esses meios nada mais são do que a própria ação diabólica em iludir e confundir o homem, de sorte que ele se apresente preso ao desconhecido ao invés de se libertar naquilo que Deus deu-lhe a conhecer, no que pode ser conhecido. 

A adivinhação não somente é um engano como uma provocação e afronta a Deus; como se criaturas imperfeitas, pecadoras e tolas pudessem explorar sua mente perfeita e santa. Com isso não estou a dizer que tentar racionalmente dar compreensão a algo insondável e inescrutável seja maligno ou tolice. Nem sempre é, apesar de na maioria das vezes ser. Os esquemas humanos parecem funcionar para nós, mais ou menos como um placebo "cura" o hipocondríaco. Parece que a coisa é real, que estamos indo bem, mas na verdade ela não chegou a existir, verdadeiramente. É tão remotamente impossível como se curar uma doença inexistente [não que o hipocondríaco não seja doente, mas não o tipo de doença que ele considera ter, e a cura que diz buscar].

Da mesma forma, os esquemas humanos podem auxiliar-nos, mas sempre devemos ter em mente que eles estão longe de resolver questões para as quais somos completamente inabilitados. E o que se refere à vontade oculta de Deus é ainda mais impossível, se é que há algo mais que impossível. Por mais exaustivos que sejam os esforços eles não passarão de sombras daquilo que realmente é. Por isso evito processos muito elaborados e complexos para definir algo simples, mas de uma simplicidade inatingível, e que seria melhor reconhecê-la como não definível pela linguagem humana.

UM EXEMPLO PRÁTICO 
Mas, a questão é, agora: Pode a vontade de Deus ser frustrada?

Em Atos 4.26-28 lemos: "Levantaram-se os reis da terra, e os príncipes se ajuntaram à uma, contra o Senhor e contra o seu Ungido. Porque verdadeiramente contra o teu Santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer"

Alguém pode aventar que temos aqui apenas uma predição. Que Deus, conhecendo o futuro, viu o que os homens fariam com o seu Filho. Mas sabemos que o texto não diz isso. Ele diz mais, muito mais do que uma simples “visão” divina:

- É certo que Pilatos, Herodes, os judeus e os gentios se juntaram contra Cristo. Interessante que todos eles colaboraram para a morte de Cristo, a qual não se deu por todos eles, no sentido de que Cristo não morreu por todos os homens, mas especificamente pelos eleitos, pela sua igreja, para trazer a Deus um único povo.

- É certo que eles, ao se levantarem contra Jesus, também se levantaram contra Deus. 

- Muito mais do que Deus tendo uma "antevisão" do que iria acontecer, ele decretou e determinou que Cristo fosse preso, humilhado e morto por eles.

- A "mão de Deus" é uma figura de linguagem que se refere ao decreto, à vontade, ao que Deus predeterminou que aconteceria, e não simplesmente "viu" algo que estava além do seu poder e da sua vontade. A mão de Deus nos dá a idéia de que ele conduziu todo o processo de forma que acontecesse, sem qualquer chance de não acontecer. Foi o que nos diz o profeta: “Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão. Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito; com o seu conhecimento o meu servo, o justo, justificará a muitos; porque as iniqüidades deles levará sobre si.” [Is 53.10-11]. Note-se que o evento da crucificação não aconteceu à revelia de Deus, mas em seus mínimos detalhes esteve sob o seu controle. De forma que o Senhor se agradou, e o mesmo Senhor viu o seu trabalho e se satisfez, representando uma obra conjunta da pessoa do Pai e do Filho e do Espírito.

- Temos de entender que a vontade de Deus ou é soberana, e por soberana eu digo um poder absoluto, sem restrições ou neutralizações, aquele revestido de autoridade suprema, potente; ou não é, e então o homem, caso possa subjugar a vontade divina, é quem detém o real poder. Mas sabemos que o homem é nada diante de Deus, e apenas cumpre os seus propósitos. 

- Certo é que eles planejaram, intentaram e executaram o plano de matar o Filho de Deus, e assim fizeram, e por isso foram culpados, e serão condenados. Eles não deveriam tê-lo feito, mas não havia como não fazerem. Entendam que a responsabilidade não está no fato do homem poder resistir, quando a sua natureza pecaminosa insiste em que ele não resista, pois não pode, mas no fato dele deliberadamente assumir o erro e praticar o crime. O crime é que o torna em criminoso. Se ele podia ou não resistir é outra história. Ninguém é condenado pela hipótese da resistência, se queria ou não, se era ou não capaz, mas por agir em oposição à lei. E ao fazê-lo, ele infringe-a, tornando-se culpado.


- De certa forma todos são culpados pela morte de Cristo, no sentido de que, qualquer um de nós que estivesse no lugar de Pilatos, Herodes e dos judeus e gentios gritaríamos também "crucifica-o!". Acontece que eles não se tornaram culpados e réus de morte a partir da crucificação do Senhor, mas como está escrito, eles, desde sempre eram culpados, pois "quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus" [Jo 3.18].

Em tudo isso o importante é saber que Deus é também Senhor da nossa vontade, ainda que não saibamos como isso se dá; certos porém de que, por mais que queiramos, ninguém é independente ou autônomo de Deus.

Notas: 1- Aconselho aos que ainda não fizeram, ler o texto "Deus não tem escolhas". Alguns pontos descritos aqui podem ficar mais claros. 
2- Aula realizada em 03.06.2012.
3- Baixe esta aula file.MP3

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